HUMILDADE CRISTÃ VS HUMILDADE HUMANA



Por Michael J. Kruger  

Uma das objeções mais comuns feitas às reivindicações absolutas do cristianismo é de que os cristãos são arrogantes. Os cristãos são arrogantes ao afirmar que estão certos, arrogantes ao afirmar que os outros estão errados; arrogantes ao afirmar que a verdade pode ser conhecida. Infelizmente, no meio de tais acusações, ninguém se preocupa em perguntar que definição de humildade está sendo usada. Ao longo dos anos, a definição de humildade sofreu uma gradual, mas ainda assim profunda, mudança. Especialmente na comunidade intelectual. Atualmente, humildade se tornou, basicamente, sinônimo de outra palavra: incerteza. Estar incerto é ser humilde. Estar certo é ser arrogante. Assim, o pecado capital no mundo intelectual é afirmar saber alguma coisa com certeza.

Claro, essa mudança representa um problema real para o cristianismo. Os cristãos acreditam que Deus revelou-se claramente em sua Palavra. Assim, quando se trata de questões históricas importantes (Quem foi Jesus? O que ele disse? O que ele fez?) ou questões teológicas importantes (Quem é Deus? O que é o céu? Como se chega lá?), os cristãos acreditam que têm uma base sobre a qual podem afirmar com certeza: a revelação de Deus. Na verdade se afirmarmos não saber a verdade sobre tais assuntos, isso seria negar a Deus e negar sua Palavra. (Isso não significa, é claro, que os cristãos estão certos sobre tudo, mas podem estar seguros sobre essas verdades básicas do cristianismo).

Assim, para os cristãos, humildade e incerteza não são sinônimos. Uma pessoa pode estar certa e ser humilde ao mesmo tempo. Como? Por esta simples razão: os cristãos acreditam compreender a verdade apenas porque Deus revelou a eles (1 Coríntios 1.26-30). Em outras palavras, os cristãos são humildes porque sua compreensão da verdade não se baseia em sua própria inteligência, em sua própria investigação, em sua própria perspicácia. Pelo contrário, é 100% dependente da graça de Deus. Conhecimento cristão é um conhecimento dependente. E isso leva à humildade (1 Coríntios 1.31). Isto obviamente não significa que todos os cristãos são pessoalmente humildes. Mas significa que eles devem ser, e que têm motivos suficientes para ser.

Embora cristãos tenham uma base sobre a qual podem ser humildes e estar certos ao mesmo tempo, não é necessariamente o caso com as outras cosmovisões. Considere o ateu, por exemplo. Ele é bastante seguro de muitas coisas (ao contrário da sua afirmação de que não se pode ter certeza de nada). Ele está certo de que ou Deus não existe (ateísmo pesado), ou de que não se pode saber se Deus existe (ateísmo leve). E, em sua crítica ao cristianismo, estão absolutamente certos de que os cristãos estão errados ao afirmar que estão certos. Em essência, o ateu está afirmando: “Eu sei o suficiente sobre o mundo para saber que uma pessoa não pode ter uma base para a certeza.” Isso em si é uma afirmação bastante dogmática.

Mas, sobre o que o estão baseadas essas afirmações de amplo alcance dos ateus sobre o universo? Em sua própria mente finita, caída e humana. Ele tem acesso apenas ao seu próprio e limitado conhecimento. Então, agora devemos fazer a pergunta novamente: Quem está sendo arrogante? O cristão ou o ateu? Ambos reivindicam estar certos sobre um grande número de questões transcendentais. Mas um faz isso enquanto afirma ser dependente da pessoa que sabe essas coisas (Deus), e o outro faz dependente apenas de si mesmo. Se uma das posições é uma postura de arrogância, não seria a cristã.

Sem dúvida, o ateu se oporia a essa linha de raciocínio pelo fato de ele rejeitar a Bíblia como revelação divina. Mas, isto sai completamente da questão. O ponto não é se ele está convencido da verdade da Bíblia, mas a questão é qual visão de mundo, do cristão ou do ateu, tem uma base racional para reclamar certezas sobre questões transcendentais. Somente o cristão tem essa base. E já que seu conhecimento de tais coisas é dependente da graça divina, ele pode ser humilde e seguro, ao mesmo tempo.


Traduzido por Josie Lima | iPródigo.com | original aqui 
 Fonte: Monegismo 

O OFÍCIO PASTORAL




O pastorado é um dos ofícios listados em Efésios 4.11-12: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo”.

A leitura reformada dessa passagem (Calvino, Owen, Hendriksen) considera os apóstolos, profetas e evangelistas como ofícios extraordinários e temporários, dados por Cristo à Igreja para o estabelecimento de seus fundamentos. Os pastores e mestres (ou pastores-mestres) são ofícios ordinários, concedidos à Igreja durante todo o tempo entre a primeira e segunda vindas do Senhor Jesus.

O termo ofício possui, no âmbito eclesiástico, um sentido especial: uma função relacionada ao governo e pastoreio da Igreja (daí os oficiais, presbíteros docentes, regentes e diáconos). Tal uso diferenciado é necessário mas pode gerar um mal-entendido. É possível sublimar tanto o significado desta palavra ao ponto de esquecer-se de seu sentido primordial.

Ofício é, essencial e primariamente, um lugar de atuação na sociedade, um serviço ou trabalho. Nesse sentido os antigos falavam do ofício de carpinteiro, de escrivão, de alferes ou de médico. Em suma, um ofício é aquilo que hoje denomina-se profissão.

A espiritualidade das profissões

O que é uma profissão? Um espaço para o cumprimento dos mandados da Criação. Uma profissão não aponta meramente para uma ocupação ou um emprego, mas para uma divina vocação. Assim sendo, todos os seres humanos — não apenas os ministros da Igreja — são vocacionados. No exercício dos diversos ofícios o Senhor é cultuado, o próximo é servido e a cultura é marcada pelo testemunho do Criador. Tais cogitações produzem, necessariamente, alguns desdobramentos.

Primeiro, o exercício de todas as profissões honestas é para a glória de Deus. Cada atividade na esfera dos trabalhos humanos pode ser empreendida como culto e evangelismo (1Co 10.31; Cl 3.22-24). Não são apenas os pastores, presbíteros e diáconos que prestarão contas pelo trabalho que realizaram no âmbito na Igreja. Todos os cristãos responderão pelo modo como desenvolveram suas atividades educacionais e profissionais, uma vez que, no sentido lato, todos possuem (ou pelo menos deveriam possuir) ofícios.

Segundo, o trabalho é, de fato, dádiva sublime e direito inalienável (Gn 2.15). Não possuir um ofício é uma aberração existencial. O desemprego é um pecado que afronta ao Criador. Governos agem de maneira ímpia quando, na condução de suas políticas econômicas, induzem juros altos, que sufocam novos empreendimentos, produzem recessão, aumentam o endividamento da população e empurram os trabalhadores para a informalidade. Deus é provocado à ira quando os habitantes de uma nação não têm acesso a educação de qualidade ou quando são promovidas políticas de crescimento desordenado das cidades, sem a necessária estrutura para absorção da nova massa de trabalhadores. Ao mesmo tempo, a iniciativa de ensinar ofícios é bíblica e nobre.

Terceiro, o pastorado é, na essência, um trabalho. O pastorado possui distinções transcendentes, altamente espirituais, mas, em suma, é um ofício, um serviço prestado a Deus que possui suas peculiaridades, assim como as outras profissões. Alguém poderá retrucar afirmando que o ministério pastoral se diferencia pelo fato de exaltar a doutrina divina e contribuir para a expansão do reino. Respondo dizendo que um juiz trabalhista, no desempenho honesto e destemido de sua vocação, também exalta ao Senhor, dá testemunho do poder do evangelho e confirma a presença do reino na cultura. A dignidade da função não é encontrada no ofício em si, mas no Senhor que concede os talentos e a vocação.

O trabalho não é o centro da vida

Há de considerar-se, nesse ponto, que todo ofício tem sua legitimidade e, ao mesmo tempo, suas limitações. Todo trabalho deve ser desenvolvido como parte do gracioso projeto de Deus para a vida humana, mas, simultaneamente, deve ser dito que ninguém encontra seu centro de satisfação no trabalho em si, mas em Deus que o concede. Essa é uma outra maneira de dizer que — mesmo nós pastores — devemos trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

Deve ser lembrado que os ofícios são passageiros. Haverá o dia em que as forças faltarão, a própria Igreja exigirá — e com razão — um obreiro mais novo, os filhos sairão de casa e só restarão o pastor jubilado e sua esposa, ambos idosos, com uma parcela significativa de vida ainda pela frente. É a dificuldade em compreender isso que produz, nos profissionais das mais diversas áreas, a crise pós-aposentadoria ou, nos casais cujos filhos saíram recentemente de casa, a síndrome do “ninho vazio”.

Essa é a razão pela qual Deus estabeleceu um padrão de rotina vivencial demarcada por lacunas denominadas “descansos”. Um dia em cada sete foi separado para revigoramento da mente, corpo, emoções e fé (Gn 2.1-3; Êx 20.8-11). Isso indica que explodir a saúde, destruir os relacionamentos íntimos e familiares, isolar-se ao ponto de não desenvolver amizades profundas ou trabalhar exageradamente ao ponto de não ter tempo para a devoção, saudável diversão e oxigenação do corpo ou da alma — nada disso é prescrito por Deus nas Sagradas Escrituras. Tais coisas são valorizadas pela sociedade capitalista orientada para a produtividade ou pelo arremedo de Cristianismo centrado em mártires e heróis ascéticos, mas passam longe do padrão bíblico de vida com Deus.

O mito doentio do paladino da fé

Se isso é assim, não é errado o pastor trabalhar honesta, equilibrada, responsável, fervorosa e eficazmente, mas sem exageros ou heroísmos personalistas. O ideal do pastor que morre pelo trabalho eclesiástico é uma distorção da doutrina bíblica do ministério. Deus deseja que estejamos prontos a entregar nossas próprias vidas por ele e seu reino; não pelo trabalho.

Dentro do sistema de governo presbiteriano, pastores não são membros da igrejas locais, mas dos presbitérios. Nas igrejas locais, os pastores passam e os presbíteros permanecem. Se partirmos desse fato, o lógico seria pedir dos presbíteros que estivessem dispostos a anular-se a si mesmos e entregar-se fanaticamente aos trabalhos eclesiásticos, mas ninguém espera que um presbítero morra pelos trabalhos da igreja, mas espera-se — ainda que inconscientemente — isso do pastor. Um profissional de comunicação viciado em trabalho é submetido a um tratamento psicológico. Um pastor viciado em trabalho é celebrado como paladino da fé e ganha um prédio com o seu nome, após o seu falecimento (normalmente precoce). Isso não é bíblico nem saudável.

É claro que muitos dos apóstolos morreram martirizados. Mas não foram apenas os apóstolos; os cristãos de modo geral foram perseguidos nos primórdios da história da Igreja e também recentemente, nas experiências comunistas da antiga União Soviética e China, nos confrontos com os muçulmanos na Indonésia ou mesmo na evangelização de etnias animistas em campos missionários. O martírio é uma possibilidade a todo discípulo maduro de Jesus Cristo, mas isso não significa que a doença ou a morte prematura devam ser buscadas. Cristãos — e pastores estão incluídos aqui — devem ser bons mordomos de suas mentes, corpos, família e recursos, testemunhando sobre a libertação, transformação e santificação promovidas pela graça de Deus, demonstrando o que significa desfrutar da vida abundante prometida pelo Redentor.

Diversão, vida pessoal e trabalho

Se isso é assim, não é errado o pastor divertir-se. Ele pode dar risadas, aliviar o estresse, viajar, dedicar-se a passatempos, praticar esportes, ouvir música, passear com a família e relaxar. Pastores são seres humanos que precisam de refrigério.

Se isso é assim, não é errado o pastor saber dividir entre sua vida pessoal, familiar e as tarefas da Igreja, considerando-as dessa forma mesmo, como tarefas e não como o centro de sua vida.

Assim como é legítimo que um funcionário público tenha projetos pessoais fora do âmbito de sua repartição, é legítimo que o pastor desenvolva, com sabedoria e equilíbrio, projetos que não tenham necessariamente a ver com os trabalhos da Igreja. Destarte, é descabido exigir, para contratação ou permanência de um pastor em um campo, que ele abra mão de qualquer projeto pessoal e assuma como centro do universo somente as atividades e exigências da Igreja. Isso é antibíblico, cruel e desumano.

O pastor é, como todo trabalhador, um profissional que precisa desenvolver-se de acordo com a semelhança de Cristo. Isso não significa, porém, anulação da individualidade. O pastor possui vida pessoal, sonhos pessoais, anseios humanos normais que não se relacionam com as tarefas eclesiásticas.

Pastores são guias crentes e humanos

A liderança espiritual inclui-se no bojo do ofício pastoral. Pastores são guias de suas comunidades de fé. Eles assumem responsabilidades únicas e mui solenes. Daí a importância de termos o ministério pastoral em alta estima e elevada consideração.

Pastores lideram mostrando aos irmãos o que significa ser crente. Eles exemplificam a vida pela fé. Mas fazem isso não como titãs da espiritualidade e sim como homens. Eles demonstram como caminhar com Deus como seres humanos regenerados e santificados. Fazem isso vivendo a vida comum dos homens, não caminhando como gurus desligados das experiências, sentimentos, anseios e lutas cotidianas da congregação.

Nesse contexto, pastores demonstram como viver com Deus e para a glória de Deus; como trabalhar e descansar, como equilibrar as diversas demandas da existência depositando tudo nas mãos misericordiosas do Altíssimo. Pastores demonstram como seguir a Cristo com fé fervorosa, autêntica e, essencialmente, bíblica, ensinando a sã doutrina e corrigindo quaisquer distorções da fé e prática, inclusive os paradigmas errôneos acerca do próprio ministério pastoral.

Pastores fiéis repudiam o profissionalismo, que é a tendência de relacionar-se com a Igreja de forma mercantilista e gananciosa, ao mesmo tempo em que reconhecem que o pastorado é uma vocação entre outras, um ofício e uma profissão que deve ser exercida para a glória do Criador. Deus, não o trabalho da Igreja é o centro da vida do pastoral. Penso que o que passar disso não provém do Senhor.
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Autor: Rev. Misael Nascimento
Fonte: Somente pela graça