A AUTOABSORÇÃO NARCISISTA NA TEOLOGIA - PR. JONAS MADUREIRA



Você conhece algum jovem teólogo com ego super, hiper, mega, ultramassageado? Já percebeu como ele fica feliz em expor seu entendimento sobre questões de fato difíceis em teologia? Se você conhece alguém assim, vai entender perfeitamente a razão pela qual a mera persuasão lógica e racional é uma péssima estratégia no diálogo com ele. O motivo é bem simples: com todo respeito, ele ainda é tolo, e, como todo tolo, é por natureza prisioneiro de si mesmo --- tão prisioneiro que sua voz é a única coisa que consegue escutar enquanto o outro fala. Por isso, não perca tempo discutindo questões difíceis de teologia com um tolo. Como dizia Mark Twain, “Jamais discuta com um tolo. Pode ser que as pessoas não consigam perceber a diferença”. Não adianta. Temos de encontrar outros caminhos, pois a capacidade de ouvir, esforçando-se para entender o outro, ainda não é um hábito cultivado por ele. Salomão tinha razão quando disse que “o tolo não tem prazer no entendimento, mas sim, em expor os seus pensamentos” (Pv 18.1, NVI).

O que mais causa espanto é a constatação de que tamanha insensibilidade não é resultado de um distúrbio no aparelho auditivo (antes fosse!), mas, sim, de um fascínio exagerado que o todo tem por si mesmo. Quem dera esse fascínio fosse uma resposta positiva ao célebre imperativo de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo!” Infelizmente não é esse o caso. Assim como Narciso, o tolo acha feio o que não é espelho e, por isso, não busca entendimento, mas autoabsorção, ou seja, ele não quer entender, quer, na verdade, admirar a si mesmo. Por isso, não vale a pena esperar do tolo a autocrítica. Ele é demasiado narcisista. Não está acostumado a refletir seriamente sobre suas ideias.

Certa vez, Flannery O´ Connor afirmou que “a humildade é o primeiro fruto do autoconhecimento”. Ou seja, a humildade é sinal de autoconhecimento. Ora, autoconhecimento não é autoabsorção nem narcisismo; autoconhecimento é, sobretudo suspeita de si mesmo. Por essa razão. O tolo não é humilde, uma vez que não se interessa pelo autoconhecimento, o qual, por sua vez, pressupõe a suspeita de si mesmo e de suas ideias, confrontando-as e presumindo que elas não são tão suas ou tão originais como parecem ser. Em outras palavras, a falta de humildade do tolo se apoia na crença de que uma pessoa é capaz de construir suas próprias ideias, independentemente de qualquer influencia externa, isto é, de que é possível pensar a partir do nada. Mas o fato é que ninguém pensa a partir do nada. Sempre pensamos a partir  de uma visão de mundo. Como ignora o fato de que seu pensamento é submisso a uma visão de mundo, o tolo acredita que tem controle total sobre suas ideias. Ele ainda não descobriu que não possuímos ideias, mas ideias nos possuem. Tampouco percebeu quanto é importante conhecer a visão de mundo que controla nosso pensar e agir.

Entretanto, falta ao tolo não apenas a humildade daqueles que buscam o autoconhecimento, mas também o rigor daqueles que corrigem suas opiniões, principalmente quando elas não condizem com a verdade. A proposito, a falta de entendimento e a ausência de rigor autocrítico são os dois sinais mais visíveis de que a condição do tolo não poderia ser outra senão a de um aprisionamento. Afinal, quem não é capaz de ponderar, de inquirir a si mesmo e de corrigir seus equívocos jamais será livre o suficiente para enxergar o mundo a sua volta. Contudo, antes de falarmos mais detidamente a respeito do aprisionamento do tolo e de como é possível a libertação da tolice, é necessário desfazer o equívoco que poderia induzir alguém a confundir tolice com limitação intelectual.

Desde já, é bom esclarecer que não estamos chamando de tolo aquele que não tem estudo nem formação intelectual, mesmo porque não seria razoável acreditar que os intelectuais sejam imunes a tolices, nem que os poucos instruídos não possam ser sábios. Aqueles que conseguem alcançar o cume da inteligência também podem o cúmulo da tolice. Por exemplo, existem pessoas que são dotadas de uma inteligência arguta, que entendem bem as coisas, com rapidez e sagacidade impressionantes, mas mesmo assim são tolas. Um caso concreto é o do filósofo alemão Martin Heidegger, que, apesar de possuir uma incontestável habilidade lógica e filosófica, ingressou no Partido Nacional Socialista e defendeu com veemência as ideias divulgadas pela propaganda nazista. Tolice, portanto, não é sinônimo de limitação intelectual.

No entanto, não é suficiente desfazer o equívoco que leva alguém a confundir tolice com limitação intelectual. É preciso ir mais longe e dizer que a tolice não representa a fraqueza de apenas alguns. Ao contrário, ela é universal, inerente a todos os seres humanos. Todos os homens são, por natureza, tolos. A questão, portanto, não é saber como um homem se torna tolo, mas sim, como pode deixar de sê-lo. Na ocasião em que foi preso pelos agentes da Gestapo, o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer escreveu inúmeras cartas e notas, compiladas num único volume intitulado Resistencia e submissão. Numa das notas, ele disse que “somente um ato de libertação poderia vencer a tolice; um ato de instrução ou argumentação lógica nada pode fazer para convencer o tolo de sua tolice. Antes de tudo, o tolo precisa de uma libertação interior autentica, e enquanto isso não ocorrer temos de desistir de todas as tentativas de persuadi-lo” (grifo do autor). Por isso, insistimos que não adianta discutir com o tolo nessas condições. Enquanto ele não for liberto da autoabsorção narcisista, qualquer palavra que for dirigida contra sua tolice será como uma pérola lançada aos porcos.


Artigo extraído do livro Inteligência Humilhada