O ANO DO JUBILEU E SUA APLICAÇÃO COMO PADRÃO DE JUSTIÇA SOCIAL PARA IGREJA CONTEMPORÂNEA


O ano do jubileu (que provavelmente nunca aconteceu) deveria acontecer em Israel a cada 50 anos. A celebração tinha dois componentes: um retorno ao quinhão de terra original e liberdade da servidão.

Levítico 25 antecipava o tempo em que Israel herdaria a Terra Prometida e cada tribo receberia de Deus a sua herança (ver Js 13, ss). Com o passar do tempo, algumas pessoas seriam inevitavelmente forçadas a vender parte de sua terra. Clima ruim, ladrões, má administração ou indolência, não importava a causa da venda da terra, toda família receberia de volta no Ano do Jubileu o seu quinhão de terra original. Os pobres obteriam alívio; os ricos perderiam parte da terra que haviam comprado.

Antes do Ano do Jubileu, uma pessoa poderia comprar de volta sua terra, pagando um preço de redenção. Este preço de venda e o preço de redenção eram ambos calculados com base em quantos anos faltavam até o Ano do Jubileu. Em essência, não se podia nunca comprar ou vender uma terra, somente emprestá-la ou alugá-la. O proprietário tinha o direito de comprar de volta a terra em qualquer tempo. Portanto a sentença no final do ultimo parágrafo não é totalmente correta. Os ricos não perderiam suas terras, pois havia o arrendamento da terra que eles haviam alugado de seus compatriotas mais pobres.

Havia outras leis concernentes a cidades muradas, vilas sem muralhas e propriedade dos levitas, mas  o principio básico para o Ano do Jubileu era claro (1) a terra poderia ser vendida/arrendada por um preço que se baseasse no numero de anos restante ate o Jubileu; (2) a terra poderia ser comprada de volta a qualquer momento de acordo com o mesmo principio; (3) depois de 50 anos todos os direitos de propriedade da terra voltavam aos seus donos originais.

Há um processo acontecendo aqui. Se uma pessoa estivesse em dificuldades financeiras, ela poderia vender/arrendar parte da terra ao seu parente mais próximo. Se não tivesse essa opção, ela poderia vender/arrendar parte da terra a alguém que não era seu parente. Se isso não desse certo, ou se a pessoa vendesse a terra completamente, ela daria o próximo passo: obteria um empréstimo livre de interesses ( ou seja, um empréstimo de subsistência, e não um empréstimo de capital), que seria perdoado a cada sete anos. Se um empréstimo não resolvesse a situação, a pessoa poderia vender-se a si mesma e outro israelita. No pior cenário, a pessoa se venderia a um estrangeiro ou peregrino que vivia entre eles. Em os casos de vender-se a si mesmo, a pessoa poderia ser redimida por um membro da família ou por si mesma em qualquer tempo. O preço de compra era calculado com base nos anos que ainda restavam até o Jubileu. Se houvesse mais anos ate o Jubileu, a pessoa tinha que pagar mais por sua liberdade, Se houvesse menos anos até o Jubileu, a pessoa pagava menos. E, se ela ainda fosse escrava quanto chegasse o Ano do Jubileu, um israelita escravo, e não um estrangeiro escravo, seria libertada automaticamente.

Alguns teólogos ensinam que este modelo é o ideal para exercermos a prática da justiça social em nossos dias. Muitos cristãos equiparam o Ano do Jubileu com programas de redistribuição forçados, Mas advogar essa abordagem com base em Levítico 25 incorre em muitos problemas.

1.   Não somos uma sociedade antiga agrária: A maioria de nós não lida com terras e agricultura. Nenhum de nós lida com escravos, ou escravos de contrato, ou cidades muradas. Acima de tudo, a terra não é a nossa principal fonte de renda. Portanto, libertar escravos e devolver a terra aos seus donos originais não é o mundo em que a maioria de nós vivemos.

2.   Nossas prioridades não foram designadas diretamente por Deus: Este é o verdadeiro bicho-papão de se tentar aplicar o Ano do Jubileu Qual é o “ano um” para os proprietários da terra? O ano passado? 1776? 1492? O Ano do Jubileu faz sentido somente quando é visto no contexto da Terra Santa.

3.   Nossa economia não se fundamenta em um pedaço de terra fixo: Consequentemente a divisão da riqueza também não é fixa. Em Israel (como muitos lugares no mundo antigo), se alguém ficava rico, isso acontecia porque outra pessoa havia ficado mais pobre, o rico ficava rico, porque o pobre ficava pobre, ou no mínimo, o pobre, por se tornar pobre, capacitava o rico a ficar rico. Se você desperdiçasse seu dinheiro ou o perdesse, não tinha outra escolha senão vender a sua terra ou vender-se. Se você fosse a falência, isso seria bom para outra pessoa, na maioria das vezes a propriedade era um jogo de perda de um e ganho de outro.

4.   As nações modernas não estão sob a aliança de Moisés: Não temos a promessa de colheita miraculosa no sexto ano. As bênçãos e as maldições para o povo da aliança, em Levítico 26, não fazem sentido em nosso contexto e não se aplicam diretamente aos Estados Unidos  ou a qualquer outra nação

5.   A maioria de nós não somos judeus: Se você lê atentamente as leis concernentes ao Ano do Jubileu observará que elas fazem distinção clara entre israelitas e estrangeiros. O Ano do Jubileu era boas novas para os israelitas, mas não propiciava qualquer proveito para quem não era israelita. De fato, se um estrangeiro vivesse entre os israelitas e adquirisse, ele a perderia completamente no Ano do Jubileu, e não haveria terra nenhum para qual retornar.

Mencionamos os cinco pontos anteriores para acautelar-nos de aplicar o Ano do Jubileu de uma maneira que parece boa, mas não faz justiça ao texto bíblico. Mas isso não significa que o Jubileu não tem ramificações no modo como vemos a riqueza e a pobreza. Há varias aplicações.

1.   Fazemos o bem quando damos oportunidade para os pobres prosperarem: É claro que não devemos ser rudes para os pobres. Não devemos aproveitar-nos dos fracos. Mas, além disso, devemos encontrar maneiras de lhes proporcionar um novo começo.

2.   A Bíblia apoia a existência de propriedade privada: Em Israel, a terra era possuída não pelo Estado, mas sim por indivíduos famílias, clãs e tribos. De fato os direitos de propriedade eram garantidos por Deus aos proprietários originais, em perpetuidade. A terra era deles e eles tinham o direito de ganhar a vida por meio delas.

3.   A Bíblia relativiza a propriedade privada: O direito de possuir propriedades não era absoluto, mas derivado. O verdadeiro dono de toda terra era Deus (ver Lv 25.23). O Jubileu recordava ao povo que eles não ganhariam o premio grande nesta vida, a propriedade privada não e aquilo pelo qual devemos viver.

4.   Nosso Deus é o Deus de segundas chances: Um texto como este poderia ser usado para apoiar as leis de falência moderna e de reabilitação de prisioneiros. Certamente apoiaria a extinção de uma rede de segurança social, pelo Estado, alguns poderiam argumentar, mas certamente no âmbito familiar e da comunidade da aliança. O Jubileu tencionava dar, pelo menos para algumas pessoas, uma chance de um novo começo. Também é bom prover essa mesma chance para os pobres e desamparados em nossos dias.

5.   Jesus é o nosso Jubileu. Quando Jesus leu o rolo de Isaías, em Lucas 4, sua mensagem simples foi, em essência: “ Eu sou o Jubileu”. Ele não apresentou um plano para uma reforma social, em vez disso, Jesus afirmou claramente: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4.21)

A falta de uma interpretação correta em relação aos textos bíblicos, em especial, as tradições e mandados culturais do Antigo Testamento, sem a devida analise histórico-cultural, pode nos trazer sérios problemas no tocante a nossa pratica cristã contemporânea. A ideia de justiça social ensinada por Jesus não tem nada a vê com igualdade de classes, mas que cada um cumpra seu proposito na sociedade com dignidade e para a glória de Deus.



Deus vos abençoe! 


Obs: Artigo extraído do livro QUAL A MISSÃO DA IGREJA?, Autores: Kevin DeYoung e Greg Gilbert (Capítulo 6: Entendendo a Justiça Social)