UMA BREVE ANÁLISE SOBRE ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA

 


INTRODUÇÃO

A palavra significa estudo do homem. Tem certa variedade de uso, alguns dos quais importantes para a teologia e filosofia.
1. Ciência da antropologia. Esta ciência estudo o homem como um organismo biológico e como um ser cultural, pelo que há duas divisões principais na antropologia: (a) Antropologia física, que aborda o que o homem era e é como um animal; (b) antropologia cultural, que trata sobre o que o homem tem descoberto e inventado, aprendido e transmitido, como um ser social.
A antropologia física é um ramo da ciência natural, que tem várias subdisciplinas:
a. Estudo das origens, ou antropogênia, que inclui todas as considerações do processo evolutivo, utilizando‑se das ciências geológicas e biológicas.
b. Somatologia, o estudo dos caracteres físicos das raças e sub-raças.
c. Antropogeografia, que faz a distribuição geográfica das raças.
d. Psicologia racial; que faz o estudo das diferenças entre as raças, no terreno psicológico.
e. Fisiologia racial e bioquímica.
f. Anatomia comparada à morfologia.

A maioria das subdisciplinas não interessa a filosofia ou a teologia, embora a questão das origens traga a tona o problema da evolução, bem como o problema das origens, em geral. Ademais, temos o problema geral da identidade do homem. Muitos antropólogos vêem-no apenas como um animal, mas a teologia muito tem a dizer sobre isso, não vendo o homem apenas em seu corpo físico. Os pais alexandrinos criam que o homem real, a alma, tem uma história anterior ao corpo físico. Se isso for verdade, então a antropologia só estuda o veiculo físico do homem e sua vida terrena, mas não sua a verdadeira origem.
A antropologia cultural tem as seguintes subdivisões:
a. Lingüística, estudo comparativo dos idiomas.
b. Tecnologia, estudo comparativo das invenções materiais, antigas a modernas.
c. Arqueologia da pré‑história, o estudo dos remanescentes de artefatos humanos, primeiras indústrias, etc.
d. Antropologia social, estudo comparativo dos costumes, tradições, organizações sociais, moral, governo, família, comunidade e economia.
O que interessa à filosofia e à teologia, dentro da antropologia cultural, centraliza‑se em torno da ética. A maioria dos antropólogos defendem o chamado relativismo cultural, isto é, a idéia que cada cultura desenvolve seus próprios conceitos éticos, dependendo das forças que atuam ali. Em aplicações extremas, qualquer padrão discernível de certo e errado se perdem, quando se aceita que uma cultura é tão boa quanto outra, ou que aquilo que é bom para uma cultura, não é necessariamente bom para outra. Assim fazendo, terminamos com muitos padrões de conduta moral, sendo aprovados ate mesmo os sacrifícios humanos enquanto que o adultério e a promiscuidade são socialmente sancionados.
2. Antropologia Filosófica. Essa estuda o conhecimento filosófico do homem. A filosofia estuda o homem, procurando perscrutar mais fundo do que aquilo que a dito pela ciência pura. Sistemas filosóficos como a fenomenologia, o existencialismo e o personalismo, geralmente são considerados como representantes dessa forma de antropologia. Isso, porem, é muito restritivo, porque qualquer filosofia que tente dizer algo sobre um homem, ou sobre a humanidade, além daquilo que a ciência estipula sobre seu corpo físico, é uma forma dessa antropologia filosófica. Portanto, a metafísica, a epistemologia, a ética, tudo tem algo a dizer sobre essa área. A própria antropologia parece ter sido termo cunhado por Aristóteles, em sua obra Ética. Ele o usou para descrever o homem dotado de mente nobre, não dado a maledicência a nem a jactância. Aquele que assim fazia era um antropólogo, isto é, falava sobre o homem, ou seja, sobre si mesmo.
3. Antropologia teológica e doutrina do homem, mormente no que tange a Deus, a sua origem, a sua natureza presente, atividade, deveres a destino. A teologia ensina‑nos que o homem foi criado para relacionar‑se com Deus, para participar de seus propósitos, a finalmente, para compartilhar da natureza divina (II Pedro 1:4), tal como originalmente foi criado à imagem de Deus. O homem desfigurou essa imagem, e a redenção tem por finalidade restaurá‑la, mas também maximiza‑la, por meio da criação do homem espiritual, uma realização das dimensões espirituais. Na antropologia teológica, o homem é um ser transcendental, ou pelo menos, esta destinado a sê‑lo.

A DOUTRINA DO HOMEM
Gênesis 5.2 descreve especificamente que Deus escolheu um nome que se aplicaria à raça humana como um todo.
Quero deixar claro que não estou argumentando aqui que devemos sempre imitar os modelos de discurso bíblico, ou que seja errado usar às vezes termos neutros quando nos referirmos a raça humana, mas sim que o fato de Deus ter ele mesmo escolhido o nome, segundo o relato de Gênesis 5.2, indica que o uso de "Homem" quando se representa toda a raça é uma escolha boa e bastante apropriada, algo que não devemos evitar. A questão teológica nos mostra o fato de que há liderança ou chefia masculina na família desde o principio da criação. O fato de Deus não ter decidido chamar a raça humana de "mulher”, mas de "homem", provavelmente traz alguma relevância quanto à compreensão do plano original de Deus quanto aos homens e quanto às mulheres. É claro que essa questão do nome que usamos quando nos referimos a raça não é o único elemento dessa discussão, mas é um deles, e o nosso uso da linguagem nessa questão tem de fato alguma importância na discussão dos papeis masculinos a femininos atualmente.

POR QUE O HOMEM FOI CRIADO?

Deus não precisava criar o homem, mas nos criou para a sua própria glória.
Deus não precisa de nós nem do restante da criação para nada; porem nós e o restante da criação o glorificamos com alegria.
Deus não nos criou porque precisasse da comunhão de outras pessoas. Deus não precisava de nós por motivo nenhum.
No entanto, Deus nos criou para a sua própria glória. Na analise da independência divina, observamos que Deus se refere aos seus filhos e filhas das extremidades da terra como aqueles "que criei para minha gloria"(Is. 43.7; Ef. 1.11‑12). Portanto, devemos fazer "tudo para a gloria de Deus" (1Co. 10.31).
Esse fato garante a relevância da nossa vida. Percebendo que Deus não precisava nos criar, e que não precisa de nós para nada, poderíamos concluir que nossa vida não tem a menor importância. Mas as Escrituras nos dizem que fomos criados para glorificar a Deus, indicando que somos importantes para o próprio Deus. Essa e a definição final da verdadeira importância ou relevância da nossa vida: se somos de fato importantes para Deus por toda a eternidade, então que maior medida de importância ou relevância poderíamos querer?
Qual o nosso propósito na vida? Nosso propósito deve ser cumprir a meta para que Deus nos criou: glorificá‑lo. Quando falamos com respeito ao próprio Deus, eis ai um bom resumo do nosso propósito. Mas quando pensamos nos nossos próprios interesses, fazemos a feliz descoberta de que devemos nos alegrar em Deus a encontrar prazer no nosso relacionamento com ele. Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia" (João 10.10). Davi diz a Deus: "Na tua presença ha plenitude de alegria, na tua destra, delicias perpetuamente" (Sl. 16.11). Ele anseia habitar na casa do Senhor para sempre, "para contemplar a beleza do SENHOR" (Sl. 27.4), e Asafe brada: Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleça, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre (Sl. 73.25‑26).
Acha‑se plenitude de alegria no conhecer a Deus e no deleitar‑se com a excelência do seu caráter. Estar na sua presença, desfrutar da sua comunhão, a benção maior do que qualquer coisa que se possa imaginar.
Quão amáveis são os teus tabernáculo, SENHOR dos Exércitos!
A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do SENHOR;
o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!
Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil (Sl. 84.1‑2, 10).
Portanto, a atitude normal do cristão é alegrar‑se no Senhor a nas lições da vida que ele nos da (Rm. 5.2‑3; Fp. 4.4; 1Ts. 5.16‑18; Tg. 1.2; lPe. 1.6, 8).
Dizem‑nos as Escrituras que, quando glorificamos e desfrutamos de Deus, ele se alegra conosco. Lemos: "Como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus" (Is. 62.5), e Sofonias profetiza que o Senhor "se deleitara em ti com alegria; regozijar‑se‑á em ti com júbilo. Os que estão entristecidos por se acharem afastados das festas solenes, eu os congregarei" (Sf. 3.17‑18).
Essa compreensão da doutrina da criação do homem traz resultados bastante práticos. Quando percebemos que Deus nos criou para glorificá‑lo, e quando passamos a agir a fim de cumprir esse fim, então começamos a experimentar uma intensidade de alegria no Senhor que antes não conhecíamos. E quando acrescemos a isso a compreensão de que o próprio Deus se deleita com a nossa comunhão com ele, nossa alegria se torna "inexprimível e plena de glória celeste" (1Pe. 1.8).
Alguém pode objetar que é errado que Deus tenha criado o homem em busca de glória para si. Certamente é errado que os seres humanos busquem glória para si, como vemos no dramático exemplo da morte de Herodes. Depois de orgulhosamente aceitar o clamor da multidão, "É voz de um deus, e não de homem!" (At 12.22), "no mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou" (At 12.23). Herodes morreu por ter se apropriado da glória de Deus, glória que Deus merecia, não ele.
Será que ha alguém que mereça glória mais do que ele? Certamente não! Ele é o Criador, ele fez todas as coisas, e ele merece toda a glória. Ele é digno de receber glória.
Paulo exclama: Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amem! (Rm 11.36). Quando passamos a apreciar a natureza de Deus como o Criador infinitamente perfeito que merece todo louvor, nosso coração então não descansa enquanto não damos glória de todo o nosso coração, alma, entendimento e força (Mc 12.30).

O HOMEM A IMAGEM DE DEUS

De todas as criaturas que Deus fez, de uma delas, o homem, diz‑se ter sido feita "a imagem de Deus"." Que isso significa? Podemos usar a seguinte definição: o fato de ser o homem imagem de Deus significa que ele é semelhante a Deus e o representa.
Quando Deus diz: "Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gn. 1.26), isso significa que ele pretende fazer uma criatura semelhante a si. As palavras hebraicas que exprimem "imagem" (selem) a "semelhança" se referem a algo similar, mas não idêntico. A palavra imagem também pode ser usada para exprimir algo que represente outra coisa.
Os teólogos gastaram muito tempo tentando especificar uma característica do homem, ou bem poucas delas, em que se vê primordialmente a imagem de Deus. Alguns já cogitaram que a imagem de Deus consiste na capacidade intelectual do homem, outros no seu poder de tomar decisões morais e fazer escolhas voluntárias. Outros conceberam que a imagem de Deus era uma referência a pureza moral original do homem, ou ao fato de termos sido criados homem e mulher (Gn. 1.27), ou ao domínio humano sobre a terra.
Dentro dessa discussão, melhor seria concentrar a atenção primeiramente nos significados das palavras "imagem" e "semelhança". Como já vimos, esses termos tinham significados bastantes claros para os primeiros leitores. Quando nos damos conta de que as palavras hebraicas que exprimem "imagem" e "semelhança" simplesmente informavam aos primeiros leitores que o homem era semelhante de Deus, e em muitos aspectos representa Deus, vemos controvérsia acerca do significado de "imagem de Deus" e a busca de um significado excessivamente estreito a especifico. Para os primeiros leitores, Gênesis 1.26, "Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança", significava simplesmente: Façamos o homem como nós, para que nos represente.


A CRIAÇÃO DO HOMEM

O fato de ser o homem a imagem de Deus significa que o homem é como Deus nos seguintes aspectos: capacidade intelectual, pureza moral, natureza espiritual,domínio sobre a terra, criatividade, capacidade de tomar decisões éticas e imortalidade.
De fato, na leitura do restante da Bíblia, percebemos que a compreensão plena da semelhança do homem a Deus, exigiria plena compreensão de quem é Deus no seu ser e nos seus atos, e uma plena compreensão de quem é o homem e o que fez. Quanto mais sabemos sobre Deus e o homem, mais semelhanças reconhe cemos, e mais plenamente compreendemos o que as Escrituras querem dizer ao afirmar que o homem existe a semelhança de Deus. A expressão se refere a todo aspecto em que o homem é como Deus.
Essa compreensão do que significa ter sido o homem criado à imagem de Deus e reforçada pela similaridade entre Gênesis 1.26, onde Deus declara a sua intenção de criar o homem a sua imagem e semelhança.
Também somos superiores aos anjos, que não se casam nem geram filhos nem vivem na companhia dos filhos e filhas remidos de Deus.
No próprio casamento, espelhamos a natureza de Deus no fato de os homens e as mulheres gozarem de igualdade de importância mas diversidade de papeis, desde que Deus nos criou. O homem é como Deus no seu relacionamento com o restante da criação. Especificamente, o homem recebeu o direito de reger a criação, e quando Cristo voltar receberá autoridade para julgar os anjos (1Co 6.3; Gn. 1.26, 28; Sl. 8.6‑8).


A QUEDA DO HOMEM

O homem caiu no engano, suas palavras já não glorificam continuamente a Deus; seus relacionamentos muitas vezes são controlados pelo egoísmo, já não pelo amor.
Embora o homem ainda seja a imagem de Deus, em cada aspecto da vida alguns elementos dessa imagem foram distorcidos ou perdidos. Em suma, "Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias" (Ec. 7.29). Permanecemos, então, a imagem de Deus ainda, somas como Deus e ainda representamos a Deus, mas a imagem de Deus em nós esta distorcida; não somos mais plenos em Deus, como éramos antes do surgimento do pecado.
Portanto é importante compreender o pleno significado da imagem de Deus, não pela observação de como as seres humanos vivem hoje, mas pelas indicações bíblicas da natureza de Adão e Eva quando Deus os criou e quando tudo o que Deus criára era "muito bom" (Gn. 1.31). A verdadeira natureza do homem à imagem de Deus também se revelou na vida terrena de Cristo. A plena medida da excelência da nossa humanidade só se verá novamente na terra quando Cristo voltar e tivermos recebido todos os benefícios da salvação que ele conquistou para nos.
A redenção em Cristo é a recuperação gradual da imagem de Deus. É animador abrir o Novo Testamento e ver que nossa redenção em Cristo significa que podemos, mesmo nesta vida, gradualmente crescer cada vez mais. Por exemplo, Paulo diz que coma cristãos temos uma nova natureza, que "se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Cl. 3.10). À medida que vamos crescendo no verdadeiro conhecimento de Deus, da sua Palavra e do seu mundo, começamos a pensar cada vez mais os pensamentos que o próprio Deus tem. Dessa forma somas refeitos "para o pleno conhecimento" e nos tornamos mais semelhantes a Deus no nosso pensar. "somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem.
Ao longo desta vida, à medida que crescemos em maturidade cristã, aumenta a nossa semelhança a Deus. Mais especificamente, nos vamos tornando cada vez mais semelhantes a Cristo na nossa vida e no nosso caráter. De fato, Deus nos redimiu para que sejamos "conforme a imagem de seu Filho" (Rm. 8.29), tendo assim exatamente o mesmo caráter moral de Cristo.
Na volta de Cristo, a completa restauração da imagem de Deus. A admirável promessa do Novo Testamento que, assim coma somos hoje como Adão sujeitos a morte e ao pecado), também seremos coma Cristo no futuro moralmente puros, jamais sujeitos a morte de novo. "Assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial" (1 Co. 15.49)."A plena medida da nossa criação a imagem de Deus não se vê na vida de Adão, que pecou, nem na nossa própria vida hoje, pois somos imperfeitos. Mas o Novo Testamento enfatiza que o objetivo de Deus ao criar o homem à sua imagem se realizou completamente na pessoa de Jesus Cristo, o qual é a imagem de Deus" (2Co 4.4); "Este é a imagem do Deus invisível" (Cl. 1.15). Em Jesus vemos a Semelhança humana de Deus como ela foi originalmente concebida, e deve para nos ser motivo de alegria o fato de ter Deus nos predestinado a ser conforme a imagem de seu Filho" (Rm 8.29; 1Co. 15.49): "Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele" (1Jo 3.2).


TRICOTOMIA E DICOTOMIA

De quantas partes compõem-se o homem? Todos concordam que temos um corpo físico. A maioria das pessoas (tanto cristãos quanto não cristãos) sentem que também tem uma parte imaterial - uma "alma" que sobreviverá a morte do corpo.
Mas aqui termina a concordância. Algumas pessoas crêem que, além do "corpo" e da "alma", temos uma terceira parte, "espírito" que se relaciona mais diretamente com Deus. A concepção de que o homem é reconstituído em três partes (corpo, alma e espírito) chama-se tricotomia. Embora essa seja uma idéia comum no ensino bíblico e evangélico popular, hoje poucos estudiosos a defendem. Segundo muitos tricotomistas, a alma do homem aborda o seu intelecto, as suas emoções e a sua vontade. Eles sustentam que todas as pessoas têm alma, e que os diferentes elementos da alma podem servir a Deus ou ceder ao pecado. Argumentam que o espírito do homem é uma faculdade humana superior, que surge quando a pessoa torna-se cristã (Romanos 8-10: "sei, porém, que Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito de vida, por causa da justiça"). O espírito de uma pessoa seria aquela parte dela que mais diretamente adora e ora à Deus (João 4.24, Filipenses 3.3).
Outros dizem que o Espírito não é uma parte distinta do homem, mas simplesmente outra palavra que exprime a alma, e que ambos os termos são usados indistintamente nas Escrituras para falar da parte material do homem, a parte que sobrevive após a morte do corpo. A idéia de que o homem é composto de duas partes (corpo e alma/espírito) chama-se dicotomia. Aqueles que sustentam essa idéia muitas vezes admitem que as Escrituras usam a palavra espiritual mais freqüentemente com referência a nossa relação com Deus, mas que esse uso não é uniforme, e que a palavra é também usada em todos os sentidos em que se pode usar espírito.


ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA

Os que adotam a oposição tricotomista, buscam apoio em várias passagens das Escrituras. Tessalonicenses 5.23 - Hebreus 4.12 - 1 Coríntios 2.14-3.4-1 - 1 Coríntios 14.14.
O argumento da experiência pessoal. Muitos tricotomistas dizem que têm uma percepção espiritual, uma consciência espiritual da presença de Deus, que os afeta de modo que eles sabem ser diferentes do pensamento comum e também das emoções. Perguntam eles: "se eu não tenho um espírito distinto dos meus pensamentos e das minhas emoções, então o que exatamente é isso que sinto ser diferente dos meus pensamentos e das minhas emoções, ao que só posso descrever como adoração a Deus em espírito, como percepção da sua presença no meu espírito? Porventura não há algo em minha maior do que meramente meu intelecto, minhas emoções e minha vontade, e não deve isso chama-se espírito?
É nosso espírito que nos faz diferentes dos animais. Alguns tricotomistas argumentam que homens e animais tem alma, mas sustentam que a presença do espírito é que nos faz diferentes dos animais.
O espírito é aquilo que recebe vida na regeneração. Os tricotomistas também afirmam que, quando nos tornamos cristãos, nosso espírito recebe vida. Romanos 8:10.


A ORIGEM DA ALMA

Duas teses são comuns na história da igreja.
O criacionismo e a concepção de que Deus cria uma nova alma para cada pessoa e envia ao corpo da pessoa em algum momento entre a concepção e o nascimento.
O traducionismo, por outro lado, sustenta que a alma e o corpo da criança são herdados dos pais no momento da concepção.
O pré-existencialismo, preconiza que a alma das pessoas existem no céu muito antes dos corpos serem concebidos no ventre das mães, e que Deus depois tras a alma a terra, unindo-a ao corpo do bebê enquanto ele se desenvolve no útero.

A favor do traducionismo pode-se argumentar que Deus criou o homem à sua própria imagem (Gênesis 1.27), e que essa semelhança marca a incrível capacidade de criar outros seres humanos como nós. Portanto, assim como todos os animais e plantas geram descendentes segundo a sua espécie (Gênesis 1.24), também Adão e Eva foram capazes de gerar filhos semelhantes a si, com uma natureza espiritual além do corpo físico. Isso implicaria que os espíritos ou almas dos filhos de Adão e Eva derivar-se-iam do próprio primeiro casal. Além disso, as Escrituras às vezes falam que os descendentes de algum modo se encontram presentes no corpo de alguém de geração anterior; o autor de Hebreus, por exemplo, diz que quando Melquisedeque encontrou Abraão, Levi ainda estava no corpo do seu antepassado (Hebreus 7.10). Por fim, o tradicionismo poderia explicar como os pecados dos pais passam aos filhos sem que Deus se torne diretamente responsável pela criação de uma alma pecaminosa, dotada de uma inclinação que os levem a pecar.

Entretanto, os argumentos bíblicos a favor do criacionismo parecem abordar a questão mais diretamente e oferecem uma sustentação bastante forte a favor dessa tese. Salmo 127 diz: “herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão”. Isso significa que não só alma, mas também toda pessoa da criança, incluindo seu corpo, é dádiva de Deus. Desse ângulo, parece estranho conceber que a mãe e o pai sejam somente eles responsáveis por todos os aspectos da existência do filho. Davi disse ao Senhor: "tu me teceste no seio de minha mãe" (Salmo 139.13) e Isaías afirma que Deus dá fôlego as pessoas da terra e espírito aos que andam nela" (Isaías 42.5). Zacarias fala de Deus como aquele que formou o espírito do homem dentro dele (Zacarias 12.1). O autor de Hebreus fala de Deus como pai espiritual (Hebreus 12.9). Com base nessas passagens, é difícil escapar da conclusão de que Deus é quem cria nosso espírito e alma.
Concluindo, parece difícil desprezar o testemunho bíblico a favor de que Deus cria ativamente cada alma humana, assim como ele se mostra ativo em todos os eventos da sua criação. Mas simplesmente não temos como saber, com base nas Escrituras, até que ponto ele permite o uso de causas intermediárias ou secundárias (ou seja, a herança dos pais). Portanto, não nos parece proveitoso gastar mais tempo especulando sobre essa questão.


ABORTO: OS DOIS PONTOS CRUCIAIS


A legislação sobre o assunto

O artigo 128 do Código Penal brasileiro (que é de 1940) permite o aborto quando há risco de vida para a mãe e quando a gravidez resulta de estupro. Porém, apenas sete hospitais no país faziam o aborto legal. Esse ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a obrigatoriedade de o SUS (Sistema Único de Saúde) realizar o aborto nos termos da lei. O projeto, porém, permite ao médico (não ao hospital) recusar-se a fazer o aborto, por razão de consciência – um reconhecimento de que o assunto é polêmico e que envolve mais que procedimentos médicos mecânicos. Por exemplo, o ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, disse ser contrário à lei e comparou aborto a um assassinato. Além disto, médicos podem ter uma resistência natural, pela própria formação deles (obrigação de lutar pela vida). "O juiz que autoriza o aborto é co-autor do crime. Isso fere o direito à vida", disse o desembargador José Geraldo Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo (22/09/97). Segundo ele, o artigo 128 do Código Penal não autoriza o aborto nesses casos, mas apenas não prevê pena para quem o pratica. No momento, existem projetos de ampliar a lei, garantindo o aborto também no caso de malformação do feto, com pouca possibilidade de vida após o parto.


O ENSINO BÍBLICO

O assunto é particularmente agudo para os cristãos comprometidos com a Palavra de Deus. É verdade que não há um preceito legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como "Não abortarás". Mas a razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um aborto que não havia necessidade de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés. Crianças eram consideradas como um presente ou herança de Deus (Gn. 33.5; Sl. 113.9; 127.3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez (Gn. 29.33; 30.22; 1 Sm. 1.19-20). Não ter filhos era considerado uma maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser perpetuado (Dt. 25.6; Rt. 4.5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade israelita que bastava um mandamento genérico, "Não matarás" (Ex. 20.13). Mas os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna vê filhos como empecilho à concretização do sonho de realização pessoal do casal, da mulher em especial, de ter uma boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar. A Igreja, entretanto, deve guiar-se pela Palavra de Deus, e não pela ética da sociedade onde está inserida.


A HUMANIDADE DO FETO

Há dois pontos cruciais em torno dos quais gira as questões éticas e morais relacionadas com o aborto provocado. O primeiro é quanto à humanidade do feto. Esse ponto tem a ver com a resposta à pergunta: quando é que, no processo de concepção, gestação e nascimento, o embrião se torna um ser humano, uma pessoa, adquirindo assim o direito à vida? Muitos que são a favor do aborto argumentam que o embrião (e depois o feto), só se torna um ser humano após determinado período de gestação, antes do qual abortar não seria assassinato. Por exemplo, o aborto é permitido na Inglaterra até 7 meses de gestação. Outros são mais radicais. Em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos passou uma lei permitindo o aborto, argumentando que uma criança não nascida não é uma pessoa no sentido pleno do termo, e portanto, não tem direito constitucional à vida, liberdade e propriedades. Entretanto, muitos biólogos, geneticistas e médicos concordam que a vida biológica inicia-se desde a concepção. As Escrituras confirmam este conceito ensinando que Deus considera sagrada vida de crianças não nascidas. Veja, por exemplo, Ex. 4.11; 21.21-25; Jó 10.8-12; Sl. 139.13-16; Jr. 1.5; Mt. 1.18; e Lc. 1.39-44. Apesar de algumas dessas passagens terem pontos de difícil interpretação, não é difícil de ver que a Bíblia ensina que o corpo, a vida e as faculdades morais do homem se originam simultaneamente na concepção.Os Pais da Igreja, que vieram logo após os apóstolos, reconheceram esta verdade, como aparece claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de Alexandria e outros. No Império Romano pagão, o aborto era praticado livremente, mas os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314 o concílio de Ancira (moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante 10 anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizesse drogas para provocá-lo. Anteriormente, o sínodo de Elvira (305-306) havia excluído até a morte os que praticassem tais coisas. Assim, a evidência biológica e bíblica é que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e que matá-las é assassinato.


A SANTIDADE DA VIDA

O segundo ponto tem a ver com a santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas como seres humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim suas vidas estariam ameaçadas pelo aborto. Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem é uma criatura especial, feito à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que possui uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do evolucionismo, que vê o homem simplesmente como uma espécie a mais, o Homo sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais espécies. A vida humana perdeu seu valor. O direito à continuar existindo não é mais determinado pelo alto valor que se dava ao homem por ser feito à imagem de Deus, mas por fatores financeiros, sociológicos e de conveniência pessoal, geralmente utilitaristas e egoístas. Em São Paulo, por exemplo, um médico declarou "Faço aborto com o mesmo respeito com que faço uma cesárea. É um procedimento tão ético como uma cauterização". E perguntado se faria aborto em sua filha, respondeu: "Faria, se ela considerasse a gravidez inoportuna por algum motivo. Eu mesmo já fiz sete abortos de namoradas minhas que não podiam sustentar a gravidez" (A Folha de São Paulo, 29 de agosto de 1997).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos. Evidentemente, existem situações complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto é que as soluções sempre devem ser a favor da vida. C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos, escreveu: "Nos meus 36 anos de cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para que a mãe sobrevivesse". Sua prática nestes casos raros era provocar o nascimento prematuro da criança e dar todas as condições para sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os cristãos que se vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação, apoio e acompanhamento. A dor, a revolta e o sofrimento de quem foi estuprada não se resolverá matando o ser humano concebido em seu ventre. Por outro lado, a Igreja não pode simplesmente abandonar à sua sorte as estupradas grávidas que resolvem ter a criança. É preciso apoio, acompanhamento e orientação.
Devemos ter em nós grande dignidade como portadores da imagem de Deus. Seria bom se refletíssemos mais freqüentemente na nossa semelhança com Deus. É provável que fiquemos surpresos ao descobrir que quando o Criador do universo quis fazer algo "a sua imagem", algo mais semelhante a si do que todo o resto da criação, ele, nos criou. Essa descoberta nos da um profundo senso de dignidade e importância, pois passamos a refletir sobre a excelência de todo o restante da criação divina: o universo estrelado, a terra abundante, o mundo das plantas e dos animais e os reinos dos anjos são admiráveis, magníficos mesmo. Mas nós somos mais semelhantes ao nosso Criador do que qualquer dessas coisas. Somos a culminância da obra criadora infinitamente sabia e hábil de Deus.
Se algum dia negarmos nossa posição singular na criação como únicos portadores da imagem de Deus, logo passaremos a depreciar o valor da vida humana, tenderemos a enxergar os seres humanos meramente como uma forma animal superior e começaremos a tratar os outros assim. Também perderemos muito do nosso senso de significado na vida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia – R.N. Champlin, Ph.D. J.M. Bentes – Editora Candeia.
- Teologia Sistemática – Wayne Grudem – Editora Vida nova.
http://www.chamada.com.br/.