A BÍBLIA ENSINA QUE NOÉ PREGOU 120 ANOS POR QUE AINDA EXISTIA VAGA NA ARCA?

 

Em 29/08/2010
Eliel Lago escreveu:
Pastor Sandro meu amigo. 
Gostaria de saber como eu provo a luz da bíblia que Noé pregou por 120 anos.
Um grande abraço. Shalom.

Resposta:

Querido pastor Eliel,
Na verdade não há na Bíblia a afirmação de que Noé tenha pregado durante 120 anos.
Todavia, embora não se possa afirmar, é possível inferir. Vejamos:

Em Gênesis 6. 1-7 lemos:
Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram. Então, disse o SENHOR: O meu Espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão cento e vinte anos. Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade. Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; então, se arrependeu o SENHOR de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito.

Neste texto vemos o profundo sentimento de Deus, devido à maldade humana, estipulando um tempo para a aplicação do castigo do Dilúvio, que é de cento e vinte anos, a partir daquela data (1).
 
Continue a leitura: Gênesis 6: 8 - 22
Porém Noé achou graça diante do SENHOR. Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus. Gerou três filhos: Sem, Cam e Jafé. A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra. Faze uma arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos e a calafetarás com betume por dentro e por fora. Deste modo a farás: de trezentos côvados será o comprimento; de cinqüenta, a largura; e a altura, de trinta. Farás ao seu redor uma abertura de um côvado de altura; a porta da arca colocarás lateralmente; farás pavimentos na arca: um em baixo, um segundo e um terceiro. Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá. Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos. De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca, para os conservares vivos contigo. Das aves segundo as suas espécies, do gado segundo as suas espécies, de todo réptil da terra segundo as suas espécies, dois de cada espécie virão a ti, para os conservares em vida. Leva contigo de tudo o que se come, ajunta-o contigo; ser-te-á para alimento, a ti e a eles. Assim fez Noé, consoante a tudo o que Deus lhe ordenara.

Repare que Deus ordena que Noé faça a arca para si, sua esposa, seus filhos, as suas esposas e também para os animais; logo, a arca começou a ser construída quando os filhos de Noé já eram adultos e casados e não no início dos cento e vinte anos de tolerância.

Noé foi um pregador?
Sim, confira:

2 Pedro 2. 5 lemos: “[Deus] não poupou o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça, e mais sete pessoas, quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios”.
E
1 Pedro 3: 18-20 Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água.

Note que, na sua segunda carta o apóstolo Pedro chama Noé de “pregador da justiça” e na primeira carta nos informa da longanimidade de Deus, cujo Espírito de seu Filho, antes de sua encarnação, através de Noé, pregou aos homens rebeldes que, então, no tempo de Pedro, eram espíritos aprisionados no inferno(2).

Isto nos autoriza a pensar que Noé pregou sim aos seus contemporâneos, provavelmente por todos aqueles longos 120 anos, mesmo antes do início da construção da arca.

Qual o conteúdo da pregação de Noé?
Certamente, a mesma pregação acerca do futuro juízo de Deus, como já havia pregado o seu bisavô Enoque:
Judas 1:14, 15  Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades,  para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele”.

O historiador Flávio Josefo (37-103 AD) opina: "Noé, entristecido pela dor de vê-los imersos em seus crimes, exortava-os a mudar de vida"(3).
Noé chamava as pessoas para que entrassem na arca?
Não há nenhum texto bíblico que diga isto, pelo contrário, diante da maldade do mundo, Deus ordena a arca para a salvação de Noé e de sua família.

Hebreus 11:7  Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé.

Mas, sendo assim, então para que servia a pregação de Noé?
Para conclamar os homens à fé e ao arrependimento, que sempre foi o instrumento de Deus para a salvação, assim como a justiça de Deus sobre os impenitentes!
Através do Novo Testamento vemos um paralelo entre o juízo de Deus no Dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra:

Lucas 17:26-29  Assim como foi nos dias de Noé, será também nos dias do Filho do Homem: comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio e destruiu a todos. O mesmo aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas, no dia em que Ló saiu de Sodoma, choveu do céu fogo e enxofre e destruiu a todos.

E
2 Pedro 2: 5-8  e [Deus] não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, pregador da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios; e condenou à subversão as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinza e pondo-as para exemplo aos que vivessem impiamente; e livrou o justo Ló, enfadado da vida dissoluta dos homens abomináveis (porque este justo, habitando entre eles, afligia todos os dias a sua alma justa, pelo que via e ouvia sobre as suas obras injustas).

Lembremos que Abraão tentou interceder por aquelas cidades:
Gênesis 18:23-32 E chegou-se Abraão, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio? Se, porventura, houver cinqüenta justos na cidade, destruí-los-ás também e não pouparás o lugar por causa dos cinqüenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti seja. Não faria justiça o Juiz de toda a terra? Então, disse o SENHOR: Se eu em Sodoma achar cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei todo o lugar por amor deles. E respondeu Abraão, dizendo: Eis que, agora, me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza. Se, porventura, faltarem de cinqüenta justos cinco, destruirás por aqueles cinco toda a cidade? E disse: Não a destruirei, se eu achar ali quarenta e cinco. E continuou ainda a falar-lhe e disse: Se, porventura, acharem ali quarenta? E disse: Não o farei, por amor dos quarenta. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, se eu ainda falar: se, porventura, se acharem ali trinta? E disse: Não o farei se achar ali trinta. E disse: Eis que, agora, me atrevi a falar ao Senhor: se, porventura, se acharem ali vinte? E disse: Não a destruirei, por amor dos vinte. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor que ainda só mais esta vez falo: se, porventura, se acharem ali dez? E disse: Não a destruirei, por amor dos dez.

E o resultado:
Gênesis 19:15, 16;24, 25 E, ao amanhecer, os anjos apertaram com Ló, dizendo: Levanta-te, toma tua mulher e tuas duas filhas que aqui estão, para que não pereças na injustiça desta cidade. Ele, porém, demorava-se, e aqueles varões lhe pegaram pela mão, e pela mão de sua mulher, e pela mão de suas duas filhas, sendo-lhe o Senhor misericordioso, e tiraram-no, e puseram-no fora da cidade.  Então, o SENHOR fez chover enxofre e fogo, do SENHOR desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra. E derribou aquelas cidades, e toda aquela campina, e todos os moradores daquelas cidades, e o que nascia da terra.

Usando do paralelo destes textos com os outros já estudados podemos entender que a presença de um certo número de pessoas tementes a Deus, chamadas de “justos” nestas ocasiões seria suficiente para que Deus, por amor a elas, cancelasse a destruição; todavia, este número de pessoas nessas mínimas condições de temor a Deus não chegou a dez em cada caso. Deste modo, tanto os anjos enviados à casa de Ló, como a arca de Noé foram instrumentos de Deus para a salvação dos poucos que criam nEle.
Assim, a pregação de Noé não visava que mais pessoas entrassem na arca, e sim que o povo se arrependesse de seus pecados para que Deus os perdoasse (lembre-se do arrependimento dos ninivitas do livro de Jonas).
   
Contudo, assim que Noé iniciou a construção da arca, podemos assegurar que o esforço seu e de sua família tenha se concentrado no trabalho árduo; e que as marteladas na madeira se tornaram a sua pregação mais eloqüente, indicando o juízo que fatalmente se cumpriria.

Entretanto, estes acontecimentos não podem ser circunscritos à mera história, pois, servem de alerta para o materialismo e vaidade de nossos dias. Jesus Cristo nos alerta:

Mateus 24.37-39  Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem.

REFLEXÃO
Volte ao início da resposta e me diga:
Qual foi a gota d'àgua que despertou a ira de Deus sobre aquelas pessoas?
No tempo de Noé, quem se casava com quem?
Os filhos de Deus casando-se com as filhas dos homens; não é? 
Pois é, também em nossos dias, quando um enorme contingente de servos de Deus já não se preocupa com a formação de famílias verdadeiramente cristãs, reconhecemos que o juízo de Deus fatalmente se aproxima!

NOTAS
(1) Alguns estudiosos entendem que esses cento e vinte anos sejam, na verdade, a delimitação do tempo de vida dos homens desde então; todavia, vemos relatos bíblicos posteriores que mencionam diversas pessoas que viveram muito mais que isso:
Por exemplo:
Gênesis 9:29  Todos os dias de Noé foram novecentos e cinqüenta anos; e morreu.
Gênesis 11.10 - 16 São estas as gerações de Sem. Ora, ele era da idade de cem anos quando gerou a Arfaxade, dois anos depois do dilúvio; e, depois que gerou a Arfaxade, viveu Sem quinhentos anos; e gerou filhos e filhas. Viveu Arfaxade trinta e cinco anos e gerou a Salá; e, depois que gerou a Salá, viveu Arfaxade quatrocentos e três anos; e gerou filhos e filhas. Viveu Salá trinta anos e gerou a Héber; e, depois que gerou a Héber, viveu Salá quatrocentos e três anos; e gerou filhos e filhas. Viveu Héber trinta e quatro anos e gerou a Pelegue.

(2) Há autores que defendem a idéia de que, após a crucificação, o espírito de Jesus desceu ao inferno e pregou aos espíritos dos homens mortos no Dilúvio. Contudo, deixam de perceber que tal pensamento levanta dúvidas quanto à longanimidade de Deus em aguardar 120 anos  para executar o julgamento no tempo de Noé, como também impõe suspeitas sobre a justiça de Deus na aplicação do castigo do Dilúvio e do inferno sobre aquelas pessoas, bem como minimiza o pecado e a responsabilidade do homem contra Deus, mesmo diante da vida e do testemunho de Noé.

(3) Josefo, Flávio "História dos Hebreus". Livro Primeiro, 3.11. Editora CPAD. São Paulo, 1990.